sexta-feira, 1 de agosto de 2014

Por Dentro do Personagem: Sansa Stark


(ESTE POST CONTEM SPOILERS)
Esse mês escolhi falar da personagem “Sansa Stark”, das Canções de Gelo e Fogo. Ao contrário de muitas meninas que carinhosamente apelidam-na de “Sonsa Stark”, gosto muito desta figura, com toda a sua trajetória e representação nos livros. Entendo que no momento, Sansa pode não ter a sede de sangue de Arya, o poder físico de Brienne, a perspicácia política de Cersei ou ambição de Daenarys, mas vejo ela como um dos personagens mais fortes da série. Só que muitas vezes não estamos acostumados a reconhecer a sua força pelo o que é.
Assim como algumas personagens clássicas da literatura tão complexas  quanto Scarlett em “O Vento Levou”, Sansa Stark é uma personagem difícil de se gostar no início de um livro. Mimada e insatisfeita com sua vida em um palácio, com uma família nobre e com muitos servos, a garota procura em um romance idealizado algo para compensar sua vida ‘monótona’ e que ao se realizar, em um desfecho turbulento, irá condena-la para o resto de sua vida.
A filha de Eddard e CatelynStark é inteirada, um exemplo de dama e ‘espelho’ do desejo de seus pais. Tão jovem, sua beleza e cordialidade já superavam as expectativas de sua mãe, e como seu pai, Sansa vivia em um mundo idealizado e regido pela Honra, onde os cavalheiros dos contos eram nobres e defendiam os fracos e oprimidos, e ela, como esperado de uma dama, se casaria com um e repassaria esses valores para os seus filhos. Mas no mundo das Canções de Gelo e Fogo, uma honra cega e inflexível anda de mãos dadas à ingenuidade e ao fracasso.


Sansa quer ser uma grande dama e por isso sempre lembra de ser cordial, apesar das várias situações humilhantes e abusadoras que passa ao longo da história. Embora muitos de nós a vejam de forma invertida, ela se imagina como a heroína de um romance, então seu objetivo principal é se encaixar com o ideal de uma mulher no contexto social em que vive. Infantilmente, como a pré-adolescente que ela é, tudo que Sansa quer é "que as coisas sejam bonitas, como nas canções". O seu desejo é tão grande que ela nomeia seu lobo gigante de “Lady” (Dama), apesar do animal em sua essência ser feroz e ameaçador. Como os Starks são possivelmente wargs (SPOILERS, PRONTO FALEI) os lobos com o tempo assumem a personalidade de seus donos e, segundo a descrição de Eddard, Lady é o lobo ‘mais bonito, carinhoso e confiante’, fazendo uma definição muito justa de Sansa.


Ao longo da história, vemos alguns dilemas que Sansa vive, e como acarreta grandes perdas que influenciam no desenvolvimento da personagem. Ao não defender sua irmã Arya, das acusações de Joffery,  Sansa indiretamente leva o Rei a sentenciar Lady (capturada por Cersei enquanto Nymeria fugia) a morte, e o próprio Eddard a executa. Aqui gosto de ver como George Martin dá dicas simbólicas do que irá acontecer com as Starks. A honra e moral de Eddard, que Sansa introjetou perfeitamente, é a que a ‘mata’ (assim como Eddard mata Lady). Sansa, como Lady, é capturada pelos Lannisters após a morte de seu pai, enquanto Arya como Nymeria esquece sua ‘honra’ e foge de King’sLanding, buscando um novo código de vida que seria a vingança. Sansa é a primeira a perder seu Lobo Gigante a partir do momento em que mente, o que é considerado desonroso. Ao mesmo tempo que trai sua irmã, ela também está traindo sua família. Sem a honra do ‘lobo’ em seu coração, Sansa comete uma segunda traição quando conta a Cersei os planos de seu pai de fugir de King’sLanding. Apesar de agir desta forma, uma vez que quer desesperadamente exercer seu dever como uma dama (e conta a Rainha o que está acontecendo e sobre seu desejo de casar com o príncipe), Sansa age impulsivamente e egoisticamente, e o destino a pune sem ter compaixão pelos seus erros.
"A personalidade constitui-se e diferencia-se por uma série de identificações" (J. Laplanche, Vocabulário de Psicanálise, pg 226).
Ao longo da narrativa, outros personagens começam a auxiliar na caracterização e desenvolvimento da personalidade de Sansa; um exemplo disso seria quando apelidam a mesma de ‘Little Bird’, o pequeno pássaro. É interessante ver as associações e possíveis identificações simbólicas que são feitas em relação à figura de Sansa ao longo do trama. O Hound sempre admirava sua beleza, e de forma recorrente dizia a ela que era como um lindo passarinho engaiolado que só cantava e repetia as lindas palavras que ensinaram a ela. Falando em pássaros, Peytr, diz a ela no início da história que "A vida não é uma canção, minha querida. Você pode aprender isso melhor um dia para sua angústia". Com o símbolo de sua casa o ‘Mockingbird’ – ‘Pássaro das Cem Línguas’, que se caracteriza por um pássaro que repete sons para sobreviver, Peytr ‘apadrinha’ Sansa e ambos fogem de King’sLanding para a casa ‘Arryn’, lar dos gaviões. Sansa se aproxima muito da figura das aves, que simboliza para muitos a inteligência, para os hindus a espiritualidade, e para os celtas o mensageiro. Sem dúvida ela atualmente não se mostra ‘feroz’ como um lobo, mas está aderindo a algumas características ‘cautelosas’ e ‘sábias’ dos pássaros, que a amadurece e a torna com o tempo uma das personagens mais firmes e adaptáveis da série.


 Considerada uma das personagens mais odiadas da série, penso que para as fãs de um seriado como “Game of Thrones”, deve ser incrivelmente frustrante ver inicialmente uma menina ingênua que parece sair de um lindo conto de fadas cair em um mundo tão hostil no qual claramente não pertence. Ironicamente, nós, mulheres, preferimos assistir os dramas encontrados em um seriado com uma fachada focada para o público masculino, onde se coloca o ideal da imagem da mulher hiper sexualizada na tela, subliminarmente e em contrapartida a extrema submissão que as mulheres (não só nobres como plebeias) se encontram nesse universo paralelo medieval. Claro que as guerras, a política, o sangue e a honra também são temperos essenciais para o entretenimento de ambos os sexos, mas quero focar nesses aspectos semelhantes ao nosso cotidiano feminino e levantar algumas questões: Por quê nós mulheres nos incomodamos tanto com Sansa Stark?
Sansa é uma menina extremamente despreparada para o mundo real. Os pensamentos dela definitivamente não condizem com a realidade em que vive. Mas o que tem de errado em querer que tudo seja bonito e maravilhoso?  Quando crianças, nós também não queríamos isso, afinal? E como pré-adolescentes, não criamos expectativas e idealizações de como gostaríamos que fossem as nossas vidas? Assim como Sansa, as meninas dos anos 90 (ou antes) têm uma característica muito comum na qual engolimos muito cedo papéis e fantasias que foram ludicamente mastigadas através dos contos de fadas que ouvíamos. Ora, crescemos assistindo milhões de filmes da Disney, e nossos pais nos diziam que quando nos tornássemos mulheres,seremos tão bela como a Branca de Neve, tão forte e independente como Mulan, e que encontraremos nosso príncipe encantado como a Bela Adormecida, vivendo então felizes para sempre.
Assim como a nossa realidade não foi assim, a de Sansa também não foi. Sansa nos comove, mesmo que negativamente, pois representa algo que não gostaríamos de lembrar, de que um dia fomos tão ingênuas e despreparadas como ela, e um dia tivemos tantos sonhos como ela que hoje não condiz com a realidade em que vivemos. Nunca seremos tudo o que gostaríamos que nós fossemos, e no fim, torna-se com o tempo,o drama de relembrar menina em que gostaríamos de esquecer que um dia fomos. Ver as atitudes da pré-adolescente pode de alguma forma nos fazer ‘negar’ e ‘jogar’ esses sentimentos ruins na coitada da Sansa, e como já está tão enraizada essa noção no qual ser extremamente feminina é sinónimo de fragilidade na sociedade atual, naturalmente repudia-se a maioria dos momentos que ela aparece no livro ou seriado. Hoje, as meninas não conseguem se quer gostar de uma personagem tão frágil e ingênua, uma vez que com o passar do tempo a sociedade molda cada vez mais a imagem da ‘mulher ideal’, esperando que elas cresçam e se tornem independentes, sedutoras, e que acima de tudo, saibam ‘ser mulher’.  Pelo menos a mulher ‘desejada’ pela sociedade atual, mas é essa sociedade que do mesmo modoainda não cria um espaço totalmente igualitário para que a mulher se torne autônoma das expectativas patriarcais colocadas sobre ela.


A história de Sansa mostra como o processo de crescer de menina para mulher é lento e doloroso. A menina sempre tão ingênua e feminina deve transformar sua suavidade em firmeza em um impiedoso mundo adulto. Sansa também não ‘facilita’ para o leitor gostar dela pois a mesma, que se encontra no mundo sangrento do Game OfThrones, está interessada em coisas extremamente  femininas, e continua cometendo erros ao longo da história ‘que nem uma menina’. Como toda fã, eu também amo heroínas guerreiras como Arya e Brienne, mas o foco sobre esse tipo de personagem feminina, a "forte personagem feminina", aparenta sugerir que a feminilidade é algo ruim, e que as mulheres só podem ser fortes adotando estereótipo masculinos papéis e atitudes. As personagens femininas que tendemos a aplaudir normalmente aderirem a uma fórmula específica para a força, o que quebra o molde patriarcal de como uma mulher deve se comportar. Isto pode ser poderoso, mas a regurgitação constante de um tipo de "personagem feminina forte" limita o tipo de mulher que valorizamos e descarta os méritos daqueles que agem de forma diferente.
Sansa desempenha um papel importante na narrativa, pois mostra como as expectativas sociais das mulheres são extremamente tristes, no universo medieval e em alguns pontos atualmente. Acreditando em todos os ensinamentos dos pais e nas histórias que contaram, Sansa realmente espera que a melhor coisa a ser feita é casar com o Príncipe (e claro, será cavalheiro, honrado, bonito e gentil) e ter filhos. As pessoas ao seu redor constantemente a moldaram e querem que Sansa seja assim, e isso quase a destrói nos primeiros livros. Ao mesmo tempo, traz o ódio do leitor nela, já que  mesmo as outras personagens que também vivem esse papel são vistas como fracas, manipuladoras, e geralmente inferiores.
Sansa sobrevive a situações tão abusivas que quebraria a tantas pessoas, sempre permanecendo forte, e nunca desistindo. Usando sua cortesia como sua armadura, e ela ouve e se adapta, aprende usar suas palavras para continuar a jogar depois que outros jogadores mais velhos e experientes, inclusive o pai dela, são destruídos. Ela cria uma "coragem de mulher” que a mantém viva em um jogo onde personagens como Arya não durariam muito tempo.
Uma parte fundamental da personalidade de Sansa que outros podem julgar como "fraco" ou "feminino" seria sua bondade. Conseguindo ser corajosa, gentil e atenciosa, apesar do trauma que ela atravessa, Sansa demostra amor e carinho pelos pequenos Robert e Tommen, coloca-se em risco para salvar Ser Dontos, usando suas palavras e  cortesia para enganar a Joffrey. Como um símbolo de força, ela cuida e acalma as pessoas no desembarque de Stanley durante a batalha de Blackwater, apesar do fato de que ela é jovem e inexperiente, e que muitos nunca ajudaram-na. Sansa sabe que se ela fosse rainha, ela faria as pessoas amá-la, porque ela se preocupa com os outros, mesmo quando sua vida está caótica.
No meu ver, a feminilidade tradicional não é intrinsecamente inferior. Tem seu próprio tipo de força e seu próprio tipo de poder, e Sansa Stark demonstra que é uma personagem feroz, sem necessariamente serrebelde, brutal ou cruel, e que continua a ser forte e perdurar.



Espero que tenham gostado! Mês que vem pretendo falar sobre PeetaMellark em ‘Jogos Vorazes’ de Suzanne Collins, pensando em toda a sua trajetória, sua personalidade altruísta encantadora e suas decisões nos jogos em si. Vejo vocês mês que vem!
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Texto escrito por Luisa Gomes

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