(ESTE POST CONTEM SPOILERS)
Esse mês
escolhi falar da personagem “Sansa Stark”, das Canções de Gelo e Fogo. Ao
contrário de muitas meninas que carinhosamente apelidam-na de “Sonsa Stark”, gosto
muito desta figura, com toda a sua trajetória e representação nos livros.
Entendo que no momento, Sansa pode não ter a sede de
sangue de Arya, o poder físico de Brienne, a perspicácia política de Cersei ou
ambição de Daenarys, mas vejo ela como um dos personagens mais fortes da série.
Só que muitas vezes não estamos acostumados a reconhecer a sua força pelo o que
é.
Assim
como algumas personagens clássicas da literatura tão complexas quanto Scarlett em “O Vento Levou”, Sansa
Stark é uma personagem difícil de se gostar no início de um livro. Mimada e
insatisfeita com sua vida em um palácio, com uma família nobre e com muitos
servos, a garota procura em um romance idealizado algo para compensar sua vida
‘monótona’ e que ao se realizar, em um desfecho turbulento, irá condena-la para
o resto de sua vida.
A
filha de Eddard e CatelynStark é inteirada, um exemplo de dama e ‘espelho’ do
desejo de seus pais. Tão jovem, sua beleza e cordialidade já superavam as
expectativas de sua mãe, e como seu pai, Sansa vivia em um mundo idealizado e
regido pela Honra, onde os cavalheiros dos contos eram nobres e defendiam os
fracos e oprimidos, e ela, como esperado de uma dama, se casaria com um e
repassaria esses valores para os seus filhos. Mas no mundo das Canções de Gelo
e Fogo, uma honra cega e inflexível anda de mãos dadas à ingenuidade e ao
fracasso.
Sansa
quer ser uma grande dama e por isso sempre lembra de ser cordial, apesar das
várias situações humilhantes e abusadoras que passa ao longo da história.
Embora muitos de nós a vejam de forma invertida, ela se imagina como a heroína
de um romance, então seu objetivo principal é se encaixar com o ideal de uma
mulher no contexto social em que vive. Infantilmente, como a pré-adolescente
que ela é, tudo que Sansa quer é "que as coisas sejam bonitas, como nas
canções". O seu desejo é tão grande que ela nomeia seu lobo gigante de
“Lady” (Dama), apesar do animal em sua essência ser feroz e ameaçador. Como os
Starks são possivelmente wargs (SPOILERS, PRONTO FALEI) os lobos com o tempo
assumem a personalidade de seus donos e, segundo a descrição de Eddard, Lady é
o lobo ‘mais bonito, carinhoso e confiante’, fazendo uma definição muito justa
de Sansa.
Ao
longo da história, vemos alguns dilemas que Sansa vive, e como acarreta grandes
perdas que influenciam no desenvolvimento da personagem. Ao não defender sua
irmã Arya, das acusações de Joffery, Sansa indiretamente leva o Rei a sentenciar
Lady (capturada por Cersei enquanto Nymeria fugia) a morte, e o próprio Eddard
a executa. Aqui gosto de ver como George Martin dá dicas simbólicas do que irá
acontecer com as Starks. A honra e moral de Eddard, que Sansa introjetou
perfeitamente, é a que a ‘mata’ (assim como Eddard mata Lady). Sansa, como
Lady, é capturada pelos Lannisters após a morte de seu pai, enquanto Arya como
Nymeria esquece sua ‘honra’ e foge de King’sLanding, buscando um novo código de
vida que seria a vingança. Sansa é a primeira a perder seu Lobo Gigante a
partir do momento em que mente, o que é considerado desonroso. Ao mesmo tempo
que trai sua irmã, ela também está traindo sua família. Sem a honra do ‘lobo’
em seu coração, Sansa comete uma segunda traição quando conta a Cersei os
planos de seu pai de fugir de King’sLanding. Apesar de agir desta forma, uma
vez que quer desesperadamente exercer seu dever como uma dama (e conta a Rainha
o que está acontecendo e sobre seu desejo de casar com o príncipe), Sansa age
impulsivamente e egoisticamente, e o destino a pune sem ter compaixão pelos
seus erros.
"A personalidade
constitui-se e diferencia-se por uma série de identificações" (J.
Laplanche, Vocabulário de Psicanálise, pg 226).
Ao
longo da narrativa, outros personagens começam a auxiliar na caracterização e
desenvolvimento da personalidade de Sansa; um exemplo disso seria quando apelidam
a mesma de ‘Little Bird’, o pequeno pássaro. É interessante ver as associações
e possíveis identificações simbólicas que são feitas em relação à figura de Sansa
ao longo do trama. O Hound sempre admirava sua beleza, e de forma recorrente dizia
a ela que era como um lindo passarinho engaiolado que só cantava e repetia as
lindas palavras que ensinaram a ela. Falando em pássaros, Peytr, diz a ela no
início da história que "A vida não é uma canção, minha querida. Você pode
aprender isso melhor um dia para sua angústia". Com o símbolo de sua casa
o ‘Mockingbird’ – ‘Pássaro das Cem Línguas’, que se caracteriza por um
pássaro que repete sons para sobreviver, Peytr ‘apadrinha’ Sansa e ambos fogem
de King’sLanding para a casa ‘Arryn’, lar dos gaviões. Sansa se aproxima muito
da figura das aves, que simboliza para muitos a inteligência, para os hindus a
espiritualidade, e para os celtas o mensageiro. Sem dúvida ela atualmente não
se mostra ‘feroz’ como um lobo, mas está aderindo a algumas características
‘cautelosas’ e ‘sábias’ dos pássaros, que a amadurece e a torna com o tempo uma
das personagens mais firmes e adaptáveis da série.
Considerada uma das personagens mais odiadas
da série, penso que para as fãs de um seriado como “Game of Thrones”, deve ser
incrivelmente frustrante ver inicialmente uma menina ingênua que parece sair de
um lindo conto de fadas cair em um mundo tão hostil no qual claramente não
pertence. Ironicamente, nós, mulheres, preferimos assistir os dramas encontrados
em um seriado com uma fachada focada para o público masculino, onde se coloca o
ideal da imagem da mulher hiper sexualizada na tela, subliminarmente e em
contrapartida a extrema submissão que as mulheres (não só nobres como plebeias)
se encontram nesse universo paralelo medieval. Claro que as guerras, a
política, o sangue e a honra também são temperos essenciais para o
entretenimento de ambos os sexos, mas quero focar nesses aspectos semelhantes
ao nosso cotidiano feminino e levantar algumas questões: Por quê nós mulheres
nos incomodamos tanto com Sansa Stark?
Sansa
é uma menina extremamente despreparada para o mundo real. Os pensamentos dela
definitivamente não condizem com a realidade em que vive. Mas o que tem de
errado em querer que tudo seja bonito e maravilhoso? Quando crianças, nós também não queríamos
isso, afinal? E como pré-adolescentes, não criamos expectativas e idealizações
de como gostaríamos que fossem as nossas vidas? Assim como Sansa, as meninas
dos anos 90 (ou antes) têm uma característica muito comum na qual engolimos muito
cedo papéis e fantasias que foram ludicamente mastigadas através dos contos de
fadas que ouvíamos. Ora, crescemos assistindo milhões de filmes da Disney, e
nossos pais nos diziam que quando nos tornássemos mulheres,seremos tão bela
como a Branca de Neve, tão forte e independente como Mulan, e que encontraremos
nosso príncipe encantado como a Bela Adormecida, vivendo então felizes para
sempre.
Assim
como a nossa realidade não foi assim, a de Sansa também não foi. Sansa nos
comove, mesmo que negativamente, pois representa algo que não gostaríamos de
lembrar, de que um dia fomos tão ingênuas e despreparadas como ela, e um dia
tivemos tantos sonhos como ela que hoje não condiz com a realidade em que
vivemos. Nunca seremos tudo o que gostaríamos que nós fossemos, e no fim,
torna-se com o tempo,o drama de relembrar menina em que gostaríamos de esquecer
que um dia fomos. Ver as atitudes da pré-adolescente pode de alguma forma nos
fazer ‘negar’ e ‘jogar’ esses sentimentos ruins na coitada da Sansa, e como já
está tão enraizada essa noção no qual ser extremamente feminina é sinónimo de
fragilidade na sociedade atual, naturalmente repudia-se a maioria dos momentos
que ela aparece no livro ou seriado. Hoje, as meninas não conseguem se quer
gostar de uma personagem tão frágil e ingênua, uma vez que com o passar do
tempo a sociedade molda cada vez mais a imagem da ‘mulher ideal’, esperando que
elas cresçam e se tornem independentes, sedutoras, e que acima de tudo, saibam
‘ser mulher’. Pelo menos a mulher
‘desejada’ pela sociedade atual, mas é essa sociedade que do mesmo modoainda não
cria um espaço totalmente igualitário para que a mulher se torne autônoma das
expectativas patriarcais colocadas sobre ela.
A
história de Sansa mostra como o processo de crescer de menina para mulher é
lento e doloroso. A menina sempre tão ingênua e feminina deve transformar sua suavidade
em firmeza em um impiedoso mundo adulto. Sansa também não ‘facilita’ para o
leitor gostar dela pois a mesma, que se encontra no mundo sangrento do Game OfThrones,
está interessada em coisas extremamente femininas, e continua cometendo erros ao longo
da história ‘que nem uma menina’. Como toda fã, eu também amo heroínas
guerreiras como Arya e Brienne, mas o foco sobre esse tipo de personagem
feminina, a "forte personagem feminina", aparenta sugerir que a
feminilidade é algo ruim, e que as mulheres só podem ser fortes adotando
estereótipo masculinos papéis e atitudes. As
personagens femininas que tendemos a aplaudir normalmente aderirem a uma
fórmula específica para a força, o que quebra o molde patriarcal de como uma mulher
deve se comportar. Isto pode ser poderoso, mas a regurgitação constante de um
tipo de "personagem feminina forte" limita o tipo de mulher que
valorizamos e descarta os méritos daqueles que agem de forma diferente.
Sansa
desempenha um papel importante na narrativa, pois mostra como as expectativas
sociais das mulheres são extremamente tristes, no universo medieval e em alguns
pontos atualmente. Acreditando em todos os ensinamentos dos pais e nas
histórias que contaram, Sansa realmente espera que a melhor coisa a ser feita é
casar com o Príncipe (e claro, será cavalheiro, honrado, bonito e gentil) e ter
filhos. As pessoas ao seu redor constantemente a moldaram e querem que Sansa seja
assim, e isso quase a destrói nos primeiros livros. Ao mesmo tempo, traz o ódio
do leitor nela, já que mesmo as outras
personagens que também vivem esse papel são vistas como fracas, manipuladoras, e
geralmente inferiores.
Sansa
sobrevive a situações tão abusivas que quebraria a tantas pessoas, sempre permanecendo
forte, e nunca desistindo. Usando sua cortesia como sua armadura, e ela ouve e se
adapta, aprende usar suas palavras para continuar a jogar depois que outros
jogadores mais velhos e experientes, inclusive o pai dela, são destruídos. Ela
cria uma "coragem de mulher” que a mantém viva em um jogo onde personagens
como Arya não durariam muito tempo.
Uma parte
fundamental da personalidade de Sansa que outros podem julgar como
"fraco" ou "feminino" seria sua bondade. Conseguindo ser
corajosa, gentil e atenciosa, apesar do trauma que ela atravessa, Sansa demostra
amor e carinho pelos pequenos Robert e Tommen, coloca-se em risco para salvar Ser
Dontos, usando suas palavras e cortesia
para enganar a Joffrey. Como um símbolo de força, ela cuida e acalma as pessoas
no desembarque de Stanley durante a batalha de Blackwater, apesar do fato de
que ela é jovem e inexperiente, e que muitos nunca ajudaram-na. Sansa sabe que
se ela fosse rainha, ela faria as pessoas amá-la, porque ela se preocupa com os
outros, mesmo quando sua vida está caótica.
No meu ver, a
feminilidade tradicional não é intrinsecamente inferior. Tem seu próprio tipo
de força e seu próprio tipo de poder, e Sansa Stark demonstra que é uma
personagem feroz, sem necessariamente serrebelde, brutal ou cruel, e que
continua a ser forte e perdurar.
Espero que
tenham gostado! Mês que vem pretendo falar sobre PeetaMellark em ‘Jogos
Vorazes’ de Suzanne Collins, pensando em toda a sua trajetória, sua
personalidade altruísta encantadora e suas decisões nos jogos em si. Vejo vocês
mês que vem!
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REFERÊNCIAS / TEXTO AUXÍLIO:http://mic.com/articles/86999/why-sansa-stark-is-the-strongest-character-on-game-of-thrones
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