domingo, 29 de junho de 2014

Por Dentro da Personagem Ofélia, em “Hamlet”, de Shakespeare:



Primeiramente, venho declarar minha eterna paixão por Shakespeare. Para mim, ele é um gênio da literatura dramatúrgica, criou peças clássicas e inesquecíveis como Macbeth, Othello, Romeu e Julieta, ninguém explicou melhor a natureza humana e seus temores até hoje. Shakespeare influenciou a inspiração artística e a literatura contemporânea, e hoje, por mais que ele não esteja na moda, muitas pessoasainda se identificam e apreciam os dramas levantados por ele, independentemente da época.
Acho importante como primeiro post falar sobre um personagem da obra de Shakespeare, pois nele conseguimos, a partir de uma literatura clássica, aprofundar em alguns aspectos da subjetividade do personagem, entendendo melhor seus comportamentos, suas paixões, e o que os move. Claro, um personagem nunca será compreendido em sua totalidade essencialmente por ser ficcional, mas penso que seria interessante analisar e tentar entender um pouco mais o que se passa na cabeça do mesmo, e na nossa também quando vivenciamos seus dramas. Proponho a mim mesma algumas perguntas ao ler um livro, como: ‘O que esse personagem ‘comove’ à minha pessoa?’, ‘O que ele ‘comove’ no outro?’,‘O que ele representa para mim?’, ‘O que ele representa para o outro?’.
Este mês o personagem que escolhi foi Ofélia, da peça “Hamlet”. Hamlet é certamente a mais bem-sucedida história de vingança levada aos palcos. Ofélia é amante de Hamlet na peça, e esta personagem é a mais famosa de Shakespeare que, apesar de ela surgir como uma personagem secundária, a mesma se afirma com uma expressiva recepção histórica, sobretudo nas artes visuais, marcada como símbolo da fragilidade feminina que leva a loucura e a morte.Mas, como aconteceu sua história? Como se deu sua loucura? Porque o suicídio?
A história de Ofélia e seu desfecho gerou até mesmo um complexo, chamado “Complexo de Ofélia’.Entendo como essencial algumas pessoas lerem primeiramente a peça para depois buscar a essa análise. Indico esta leitura as garotas e mulheres de plantão. Boa leitura!
                                                                                                 
“O Complexo de Ofélia seria a prisão no desejo de um homem ou, mais ainda, a prisão de todos no desejo patriarcal. Mas o que é o desejo senão aquilo que faz viver e que, realizado, se define na morte? O Complexo de Ofélia simboliza um acordo no campo do desejo em que mulheres são negadas ou subordinadas, enquanto homens prevalecem como protagonistas.”                                     TIBURI, M. (2010)



“ Na minha leitura, a loucura de Ofélia poderia ser compreendida como ‘loucura e não loucura’ ao mesmo tempo. Os delírios no lago e posteriormente, seu trágico suicídio, foram tentativas de utilizar todos os recursos que ela disponibilizava uma vez que, apesar de estar visivelmente desequilibrada, sua fala irracional e suas atitudes demonstram que foram as melhores formas que ela conseguiu lidar com o seu ambiente, considerando sua existência frágil vivenciado em um contexto histórico completamente opressor à figura feminina.
Ao mesmo tempo em que a história de Ofélia talvez não apetecesse as feministas de plantão (pois muitas vezes não gostamos de ver em outro uma possibilidade na qual, em algum nível, possamos nos identificar), brinco até que Ofélia demonstra um contraponto simbólico, na qual se houvesse espaço nos tempos de Shakespeare para a ‘marcha das vadias’, daria uma margem para um tremendo discurso feminista do século XVI.
Desde o início, a identidade de Ofélia aparece ser externamente e socialmente construída. Completamente restringida pelos homens ao seu redor, Ofélia foi moldada conforme as exigências externas, para refletir os desejos dos outros. Ela é usada, abusada, confundida - absolutamente manipulada pelos homens em sua vida: pai, amante, irmão, o rei. Ofélia tem sido claramente desprovida de fomento materno, exilada em uma ilha dominada por homens. Parecendo absorver a ausência de crença na sua própria inteligência e autonomia, Ofélia é deixada com uma identidade aberta à sugestão externa. Tanto o irmão e o pai sufocam Ofélia em um estrangulamento, levando a sérios riscos em seu desenvolvimento psicológico.
Para Laerte, seu irmão, Ofélia é vista como uma figura casta, a quem ele pode colocar em um pedestal. Enquanto (ele acredita) ele a tem em segurança das garras dos homens, Laertes tenta ensinar sua irmã para ter medo dos avanços masculinos. "Tenha medo, Ofélia, medo dele, minha querida irmã". Laertes repete uma e outra vez - "dele" está sendo desejo de Hamlet.
Considerando que Ofélia é um anjo para Laertes, ela é um beneficio para Polônio, seu pai, sendo uma mercadoria a ser disponibilizada  para o seu o maior lucro. Polônio educa sua filha para ser extremamente obediente, disposta a aceitar todos os seus comandos. Avisando-a que ela não pode agir por conta própria, Polônio a proíbe ter uma autonomia de sua escolha, de sua ação, e ainda de seus próprios pensamentos. "Você não entende tão claramente / como cabe minha filha e a sua honra. Mas vou ensinar-lhe,”; "Pensa-te como um bebê". As ‘aulas’infantilizantes do pai, enquanto prejudicial para Ofélia, provam ser benéficas para o mesmo.Tendo negado o acesso gratuito de sua filha a Hamlet por muitos dias, Polônio, em seguida, oferece sua filha ao Príncipe, a fim de provar sua lealdade para o Rei para elevar seu status social.
Depois que Ofélia foi agredida por Hamlet durante a cena do “teste de amor” de Polônio, o Rei e o seu conselheiro debatem, o estado mental do Príncipe durante várias páginas antes que seu pai se lembre dela. Quando, no final da cena, os dois saem da sala, não existe nenhuma ação de conforto ou de ajuda a Ofélia, ela é simplesmente esquecida.
 Da mesma forma, Hamlet, amante de Ofélia, descuidadamente ignora suas necessidades em favor de sua própria. Na imaginação de Hamlet, para uma mulher ser "honesta" significa que ela deve ser casta e leal, não podendo ser “autônoma”. Não somentepela conduta moral encontrada na época, mas por ser o ideal de mulher que ele gostaria que a mãe dele fosse e ele ‘projeta’ esses ideais na futura companheira. Vê-se isto, pois na visão de Hamlet, sua mãe Gertrude tem se mostrado ‘desonesta’ ao exercer sua autonomia e casar-se novamente após a morte de seu pai,o que Hamlet experiência como uma versão aterrorizante do desejo feminino. Ao ir ao quarto de Ofélia, Hamlet lê o rosto dela e, em seguida, levanta um suspiro, e parece deduzir sua culpa, alinhando Ofélia com Gertrude.
Hamlet projeta sua ansiedade sobre a  "traição"  de sua mãe para Ofélia. Assim,
quando Ofélia parece exercer ação autônoma (como Gertrude tinha), negando acesso amoroso de Hamlet e retornando suas cartas de amor, ele torna-se abusivo com ela. Ironicamente, Ofélia,no momento de revolta de Hamlet, se comporta não autonomicamente, obediente aos desejos patriarcais, pois seu pai ordena que ela conquistasse o Príncipe. Para Hamlet, Ofélia representa seus receios psíquicos, como a figura de uma mulher desonesta.
Com sua identidade construída sempre em referência a outro, Ofélia é, em essência, nada, um ninguém vazio esperando para ser dito qual o seu significado.
No meio de seus jogos com Ofélia, Hamlet insere um discurso que pede que ela duvide de todas as suas palavras: "os homens são todos tolos, acredite em nenhum de nós". Quem é que Ofélia deve acreditar? Ela pode responder apenas "Eu não sei, meu Senhor, o que eu deveria pensar”. Separada de qualquer senso de identidade pessoal, ela admite a Hamlet, "Acho que nada, meu Senhor". Então  quando seu irmão vai à França e seu amante é banido pelo assassinato de seu pai, Ofélia éconfrontada com um ‘silêncio’ das ordens dirigidas a ela, e então torna-se louca.
A loucura torna-se o último recurso de Ofélia, é sua revolta inconsciente. Na verdade, o que mais resta para ela fazer? Sua realidade fundada para aceitar o comando masculino, como então, sem ele, pode ela agir em seu próprio nome? Todos os homens em sua vida brincariam com os seus sentimentos. Oferecendo uma fuga, a loucura permite a ela finalmente falar de sua raiva e desejo. A loucura libera Ofélia das funções de filha, irmã, amante, objeto. Quando Ofélia fica louca e canta sobre uma mulher jovem, como ela mesma, usada e abandonada pelo seu amante, podemos dizer que a música pode refletir quão profundamente ela tem interiorizado os maus tratos de ambos Hamlet bem como os desejos masculinos que foram plantados em sua cabeça por seu pai e irmão.
Seu discurso louco demonstra que seu ‘self’ está fragmentado. O importante trabalho que sua psique tenta é encontrar um via do qual ela possa protestar a repressão de sua vida inteira.Sem ninguém disposto a ouvir ou capaz de ouvir a verdade incoerente de Ofélia, sua "razão na loucura" e qualquer possibilidade que parecia levar asua libertação,resultaao suicídio.
Ofélia decide que para autenticamente "ser" ela deve escolher "não ser." O suicídio torna-se a única viapossível para a autonomia de Ofélia, uma escolha que, ao meu ver, poderia ser vista como apenas uma morte corajosa em Shakespeare.”


Espero que tenham gostado! Para alistara este discurso, mês que vem farei uma análise de SANSA STARK, personagem das Canções de Gelo e Fogo de George Martin do conhecido seriado “Game of Thrones”. Apesar de ambas viverem em universos paralelos, encontramos semelhanças na proposta dos períodos históricos em que vivem e seus papéis femininos, permeados de ideais e condutas sociais a serem submetidas. Ambas se mostram peças de um jogo, na qual não se tem voz e devem exercer perfeitamente seus papéis para sobreviverem.
Vejo vocês mês que vem!

Texto escrito por Luisa Gomes

->TEXTO DE AUXÍLIO / REFERÊNCIAS:
TIBURI, M. (2010) - http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0104-026X2010000200002&script=sci_arttext

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